Desesperantes. Não posso qualificar esses anos de outra forma: sentia-me perdida, cansada, esgotada e, às vezes, revoltada, muito revoltada – questionava-me muitas vezes: “porquê a mim?”. Recordo-me de um dia estar na Ericeira. Observava o mar azul e o laranja do sol; em setembro, costumávamos desfrutar destes dias, quentinhos, cheirosos, inspiradores: as habituais despedidas de verão. Mas nesse dia não, nem a beleza do local me apaziguava, nesse dia chorava, uma dor imensa e profunda acercava-se de mim. Só conseguia sentir-me vítima. Estava farta!
Os primeiros anos de vida do meu filho foram assim. Aos seus 2 anos começaram as perguntas (o que será que ele tem?), iniciámos a procura, percorremos vários caminhos que, no final, se desvendavam sempre becos sem saída. E nós – mãe e pai – sentíamo-nos cada vez mais destruídos interiormente.
A mãe confessa. Gostava que me tivessem perguntado como me sentia. Gostava que me tivessem escutado com atenção. Gostava que me tivessem devolvido a confiança perdida. Gostava que me tivessem abraçado. Gostava que me tivessem olhado com olhos de ver. Gostava que me tivessem dado colo. Mas não, estavam todos tão focados e centrados no meu filho, no seu comportamento, em “consertar” as suas falhas, em opinar e julgar, que se esqueceram de um aspeto fundamental para o seu equilíbrio: o estado emocional dos seus pais. Eu sei que não foi intencional – o importante era ele – mas a verdade é que não me sentia emocionalmente equilibrada para o ajudar. Quando o meu filho foi diagnosticado com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção disse “basta!”: preciso de cuidar de mim. E a partir desse momento, desse preciso momento em que comecei a olhar por mim, o meu filho começou a abrandar e melhorias começaram a acontecer.
Todos os apoios atualmente existentes para ajudar estas crianças são importantes, necessários e válidos mas não são suficientes porque se esquecem de apoiar o sistema principal que as suporta e guia: o familiar. Sem que esse sistema esteja em equilíbrio, tudo o resto são apenas pensos rápidos. O apoio existente tem de envolver os pais.
O que falta afinal?
Um apoio mindful – compassivo, amoroso, humilde, atento – aos pais destas crianças.
Um apoio que deve passar 5 mensagens potenciadoras:
Tu mereces
Antes de tudo, como está o pai e mãe? Como se sente? Como descodifica o que se está a passar? Quais são as suas necessidades? De que forma se cuida? Qual a narrativa que construiu em relação a esta situação? O estado emocional dos pais é o ponto de partida para ajudar estas crianças. E às vezes temos que revisitar o passado destes pais: Que crianças foram? Que tipo de pais tiveram? Estes pais merecem ser vistos, escutados, reconhecidos. Sem julgamentos. E têm de ser incentivados a cuidar de si e da sua relação. Não devem ter receio de pedir ajuda aos familiares, aos amigos, …. Isto não é sinónimo de fraqueza mas sim de coragem, de amor: por si e pelos seus filhos. Os pais devem sentir-se merecedores de toda a ajuda e atenção.
Tu sabes
Mais do que transmitir uma série de estratégias – uma lista – para lidar e/ou mudar os comportamentos dos seus filhos, ir mais além. Será que as estratégias oferecidas estão de acordo com as intenções dos pais que querem ser? Será que são congruentes com o que sentem? Porque se tal não acontece, é provável que os seus filhos captem a discrepância entre a sua boca e coração. As crianças são especialistas em apanhar o não-dito. É importante restituir a confiança – de ouvir o seu coração – a estes pais. Com a oferta de uma panóplia de informações desconectadas com o seu sentir ficam perdidos nas respostas a dar. Porque eles sabem o que é melhor para os seus filhos: só é necessário que as estratégias delineadas unam o seu coração e mente para lhes devolver a confiança perdida.
Tu tens valor
Aos pais surge muitas vezes a pergunta: porquê a mim? Aparece a vergonha, a culpa, o medo. Emoções que levam à ansiedade, e que, por consequência, originam respostas reativas em relação aos seus filhos. Os olhares dos outros, as críticas, os comentários depreciativos,… expandem estes sentimentos. A sua autoestima fica um caos. Sentem-se pais incompetentes. “Onde será que falhei?”. É a pergunta que aparece muitas vezes. Claro que exercer parentalidade a partir deste ponto não ajuda os seus filhos. Ensiná-los a lidar com as suas emoções contrativas. Escutar o que sentem. Mostrar-lhes que valem, que são os pais que os seus filhos precisam, é essencial para que nos momentos de grande julgamento interior e exterior o amor por si próprios não fique abalado. Entender que a sua autoestima não deve depender de qualquer desempenho que os seus filhos possam ou não ter é determinante para conseguirem responder de forma consciente aos seus filhos.
Tu és capaz
Ok, tudo isto é muito bonito mas como lidar com estas crianças diariamente? Como viver a rotina com qualidade e amor? Como responder serenamente em vez de reagir impulsivamente? Como comunicar de forma empática? Como escutar ativamente? Como dizer que Não sem entrar numa espiral de agressividade? Como estar realmente presente? Como criar uma autoestima saudável ao meu filho? Como perceber quais são as suas necessidades? O Mindfulness, a Parentalidade Consciente, a Comunicação a partir do coração, são os “segredos” a desvendar a estes pais para que saibam lidar com estas crianças de forma amorosa no seu dia-a-dia.
Tu desvendas
O teu filho não é essa perturbação, é muito mais. O que existe para além? Que imagem estou a construir e, às vezes, sem intenção consciente, a perpetuar? Como posso ajudar o meu filho a expandir todo o seu potencial criativo? Como procurar a essência e não ficar pela máscara? Mais além. Ajudar os pais a desvendar o que de único e especial tem o seu filho é essencial para ajudar estas crianças a serem livres para ser quem realmente são.
O que acompanha estes pais…
Não pode estar simplesmente ali só por estar. Presença consciente é necessária. E não está num pedestal. Tem uma profunda humildade e respeito por aqueles pais. Devolve-lhes a força, a confiança, a autonomia e a independência porque sabe que isso é essencial para que consigam ouvir e captar as lições que os seus mestres – filhos – lhes têm para lhes ensinar. Escutar o outro sem o julgar, aceitando o que se apresenta. Empatia. Compaixão. Silêncio. Presença.
Como diz C. Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
Porque, com base na minha experiência pessoal e dos casos que acompanho, esta atenção aos pais é muitas vezes o que basta para que aquela criança acalme. E isto, sem dúvida, traz consequências maravilhosas.
Claro que para além deste sistema – o familiar – existe outro sistema a ser cuidado para que o tratamento seja mesmo eficaz: o escolar. Mas este ficará para outro artigo.
Por agora, termino com dois pedidos para os que rodeiam estas crianças:
O primeiro pedido – aos seus familiares, aos seus professores, aos seus médicos, aos seus amigos:
Olhem de forma mindful para os pais destas crianças. Sem julgamentos. Eles precisam da vossa atenção. Um abraço, um olhar, um momento verdadeiro de escuta – fazem milagres.
O segundo pedido – aos pais destas crianças, principalmente às mães (que são as que normalmente estão na linha da frente):
Cuidem de vocês. Porque merecem. Porque os vossos filhos ganham. E não adiem, nem desistam. O caminho é árduo mas, em simultâneo, muito revelador e bonito.
Se sentirem que precisam de ajuda, estou aqui: carlapatrocinio33@gmail.com
Carla Patrocínio
Artigo publicado no blog da Academia de Parentalidade Consciente
Gostei muito do artigo. Muito próximo, muito real, muito humano. Sem ser só a teoria que quem anda nestas lides vai ouvindo e lendo, e claro, vai acabando por nós despertar, mas de facto, só quem fez esse caminho reconhece as pedras que encontrou… e partilhá-las assim de forma tão generosa é muito bom. Senti-me vista e incluída!
Obrigada