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Os meus filhos, principalmente o mais velho, faz-me muitas vezes revisitar a minha criança. Nestas últimas semanas este regresso foi constante. É triste observar o meu filho a viver os mesmos rótulos do que eu, rótulos esses que sei que ficam marcados na alma e dos quais nos é muito difícil de libertar. Eu sei porque ainda continuo neste caminho de me aceitar tal como sou, com tudo o que sou.

Sabemos quem somos através dos olhos de quem nos rodeia na nossa infância, das referências que vamos tendo ao longo dessa época. A partir do ponto de vista da família, amigos mais próximos e professores vamos construindo a nossa autoimagem.

A minha foi esta: agitada, louca, desenfreada, superficial, imprevisível, explosiva, desobediente, difícil, … Isto foi o que me ensinaram que eu era. E é esta a imagem que me agarro quando me perco, mesmo hoje em dia.

E assim andei durante muitos anos – a tentar defender aquilo que pensava que era e a esconder tudo o resto. Porque era esquisito, porque era estranho, porque não fazia sentido, porque era uma vergonha, ser mais do que isso ou o contrário disso.

Depois de um longo caminho, e pelos meus filhos, fiz as pazes com o que pensava ser feio (afinal não era) mas que também fazia parte de mim: sou profunda, emotiva, sensível, previsível, maternal, carinhosa, … às vezes chega a ser paradoxal o que sou, mas a verdade é que quando aceito essa plenitude em mim, esse todo que sou, essa contradição aparente, quando aceito isso – é quando estou verdadeiramente em paz.

Não vou mentir, ainda me custa assumir essas partes que reneguei tanto tempo. Há momentos que parece que é quase instintivo defender a minha antiga identidade – quase como se fosse um instinto de sobrevivência. Não posso mostrar a minha sensibilidade, profundidade, emotividade, serenidade, … Não posso fazer isso porque a agitada, louca, desenfreada, desatenta, inquieta, ansiosa, … não pode ser também isso.

Então ando às avessas: quem sou eu afinal?

Não sei, sou tanta coisa que até me assusta.

Antes dos meus filhos talvez tudo fosse mais fácil. Era isto e ponto. Mas agora não. O amor pelos meus filhos não me permite isso.

Agora às vezes perco-me dentro de mim. Quem sou eu afinal?

Há momentos que me apetece possuir o mundo, tenho fome de vida, desejo sentir tudo num minuto. Há instantes que enrolava o mundo nos meus braços se pudesse, que esgotava todos os meus sentidos num minuto, que explodia de loucura.

Há outros que só me apetece o contrário. Quero a rotina, a tradição, o bom costume. Quero o abraço, o ninho, o olhar mudo, o silêncio, a terra. Quero férias da vida, desaparecer, ficar no meu cantinho.

Porque tenho tantas dificuldades em saber quem sou?

Até hoje estou a tentar saber quem sou para além dos rótulos que me colocaram.

Ensinaram-me que era daquela maneira e, como não sou isso, perco-me.

Não gostava de estudar. Era uma irresponsável. Só pensava em mim. Era desorganizada e desarrumada. Era impulsiva, desatenta e trapalhona. Muito desastrada. Algo obcecada. Detestava estar muito tempo a ouvir as pessoas. Esquecida. Perdia coisas. Insatisfeita. Levava tudo à frente. Respondona. Não ficava calada. Expansiva demais. Falava demais. Mal educada. Desobediente. (É mesmo só isto que eu era?)

Depois escondia o resto.

Uma história que comprova isto. Sempre fui aluna mediana menos, desatenta, inquieta, interferia com o bom funcionamento das salas de aula. Um dia decidi estudar e tive 17 e 18 nos testes de ingresso para a universidade (na altura, chamadas as Específicas). Acreditam que não disse a ninguém! Tive vergonha… Ainda me lembro de confirmar se não me tinha enganado a ler a pauta das notas. Só podia ser engano!. A desobediente não podia ser inteligente. Era uma vergonha! Não podia ser, isso não era quem eu era.

E porque escrevo isto?

Por causa da minha, da tua, das nossas crianças.

Os rótulos que colocamos nos nossos filhos, netos, alunos, … são papéis que os aprisionam. Exemplo: uma criança que é rotulada de desobediente não pode colaborar facilmente, assim como uma criança agressiva não pode abraçar ou beijar. É uma vergonha, não tem sentido, ser o oposto.

Os rótulos condicionam de tal maneira que quando cheguei à adolescência e fui escolher que curso superior queria tirar optei por não escolher Psicologia porque acreditei que não tinha perfil. (Eu, que era uma desobediente, como poderia ajudar os outros emocionalmente?.)

Tentamos validar a tudo o custo os rótulos que nos impõem. E tanto faz estes serem positivos ou negativos – os rótulos bloqueiam sempre: uma menina bem comportada é capaz de ter muitas dificuldades em comunicar os seus limites, porque diz sempre que sim a tudo, entendem? E imaginam os impactos que isto tem quando essa menina for adulta?

Os rótulos condicionam tanto as capacidades dos nossos filhos como nos bloqueiam a nós de vivenciar e reconhecer o nosso filho como um todo. E só quando reconhecemos essa plenitude os permitimos ser realmente felizes.

Mas antes de tudo, temos que refletir sobre as crenças que criamos sobre nós mesmos para termos consciência do tipo de impacto que estas têm na nossa vida adulta. Coloca-te estas perguntas:

Quais foram os rótulos que me foram atribuídos desde que era criança? Como é que esses rótulos impactaram na minha vida? O que deixei de fazer por continuar a acreditar nesses rótulos? Quem sou eu para além desses rótulos? Repito: quem sou para além desses rótulos e papéis?

Pensa nisto, pensa nisto, e escreve-me. Este o ponto de partida para ajudares o teu filho a ser livre para ser quem é.

Hoje em dia continuo neste caminho de me libertar dos rótulos que me impuseram porque aqui entre nós: é um devaneio passar o resto da minha vida a acreditar e a querer enquadrar-me num papel que não é o meu. Já decidi que não vou mais acreditar na vozinha que existe na minha cabeça. E por isso: nem imaginam o que vem por ai … quantos rótulos limitantes estou prestes a largar. Surpresas para breve!

Pergunto-me muitas vezes: quais são as amarras que ainda não me deixam ser quem sou?

Eu quero ser plena, inteira, toda. Quero dançar de forma louca mas também quero saber pedir colo e chorar sem me sentir tola, inferior. Ainda rejeito partes de mim. Ainda me pergunto: será que uma louca pode ser sensível, emocional, profunda, séria?

Quero que os meus filhos sejam livres para ser quem são, mesmo que isso às vezes possa ser paradoxal, porque é nestas contradições que está o nosso tão falado “je ne sais quoi”. Porque escondemos, como se fosse um segredo secreto, aquilo que mais nos ilumina e nos torna únicos?

Quem é o teu filho, afinal?

Desvenda o que existe no outro lado. Mostra-lhe tudo o que ele é. O desobediente pode ser simplesmente sensível ou diferente.

Finalizo com uma ressalva: este desvendar que proponho não significa aceitar, aprovar, concordar com tudo o que o teu filho faz. Significa simplesmente não passares a vida a dizer: “és sempre assim”, “já estás a fazer isso outra vez”, “nunca mais aprendes”, “cometes sempre os mesmos erros”, “nunca obedeces”… aliás, um conselho: apaga este tipo de advérbios do teu discurso: “sempre”, “jamais”, “nunca”, “já”. Normalmente são utilizados para julgar ou rotular. E substitui o verbo “Ser” pelo verbo “Estar”: em vez de “tu és desobediente” podes dizer “estás pouco colaborante”. Está atento à tua comunicação!

O teu filho é desobediente, e agora?

Desvenda: quem é ele para além desse rótulo? 

É que quando descobrires o que existe do outro lado da moeda poderás ajudá-lo a usufruir de todo o seu potencial. E ele, livre dessa caixinha, dessa prisão, pode finalmente VOAR.

A desobediência não se “trata” com desrespeito mas sim com amor, presença, atenção, conexão, respeito.

Queres saber o que existe para além? Quem é o teu filho para além desse rótulo? Ouve o teu coração. Queres saber como? Envia-me mail para carlapatrocinio33@gmail.com

O meu filho com a sua suposta “desobediência” faz-me olhar para dentro, conhecer-me cada vez mais e amar-me de forma inteira.

Abraço desobediente mas muito sensível da tua Coach Parental,

Carla Patrocínio